Quem observa seu Edgar Schatzmann caminhar pela rua, com andar calmo e lento, não imagina as histórias que o senhor de 70 anos guarda na memória. Amante de uma boa prosa e fã declarado do teatro, o aposentado de fala rápida mostra que suas lembranças ainda são claras ao contar diversos momentos de sua vida em apenas uma hora. O joinvilense, nascido em Pirabeiraba, trocou as festas da adolescência pela militância e estudo na antiga União Soviética, onde conheceu um dos símbolos da revolução cubana, Ernesto Guevara de La Serna, o famoso Che Guevara. E, de bancário passou a ser prisioneiro político nas sujas sarjetas da Ditadura Militar, que assolaram o país por um longo período.
“Foi no dia 1º de maio de 1964. Era uma grande festa do trabalhador na União Soviética e tinha o palanque das autoridades. Quando olhamos, vimos Che passar. Ele estava atrasado para o evento. Todo mundo sentiu o carisma”, relata com detalhes Schatzmann.
Filho de operário, quando tinha 23 passou a ler muito e trocou o emprego de bancário por uma oportunidade de estudar na antiga União Soviética (hoje Rússia). Lá tinha aulas de história, economia e socialismo.
Hoje, Edgar Schatzmann tem duas filhas e três netos. É ator e estuda em uma faculdade da cidade. Única coisa que não gosta é ficar parado em casa. A paixão pelo teatro e pelo cinema começou ainda criança quando viu “O cangaceiro”. Mas depois de crescer viu que o país entrou no regime autoritário da Ditadura Militar e não teve mais acesso à arte, vindo a realizar um sonho de ser ator só depois de mais velho.
Tortura na masmorra da Ditadura Militar
“Eu estava na biblioteca municipal e havia um coronel e suas filhas. Pedi um livro sobre comunismo e eles fizeram um escândalo. Disseram que não havia porque era proibido. Mas um dia encontrei uma biografia de Lênin (principal nome da revolução russa) e escondi dentro da calça e levei comigo. Logo depois, descobri que um militante comunista implantava os livros no local”, relata.
Schatzmann não conseguiu terminar os estudos na Rússia. Um ano depois que partiu para o país, houve o golpe militar no Brasil, em 1964. Ele e mais outros estudantes perderam suas bolsas de estudo e se voltassem para o Brasil seriam presos.
“Na União Soviética advertiram que nós seriamos detidos ao voltar para o país. Mas sentimos saudades do Brasil, do povo daqui”, lembra. Antes de chegar na América passou por países como Itália e Suíça. No Brasil, o senhor Schatzmann passou do céu para o inferno. Foi preso pela primeira vez por militares após fazer panfletagem, em Curitiba. Em 1967 foi julgado e pegou dois anos de prisão. Até hoje ele não acredita como uma pessoa pode ser presa por ter ideias.
Schatzmann foi preso três vezes durante os anos de chumbo. Após sair da primeira prisão foi pego novamente quando frequentava uma feira em Joinville. Desta vez ficou bastante tempo. Mas com amizade e boa conversa conseguiu o apoio de delegados da cidade e enquanto estava detido alfabetizava outros presos.
Tentando refazer a vida, o senhor carismático e com fala bem articulada, que, segundo ele, é fruto de bastante tempo no teatro, mudou-se para Lages e começou a trabalhar no setor de recursos humanos de uma empresa, onde conheceu sua namorada e esposa Lúcia, que Schatzmann alega ser sua salvadora. “Sem ela eu não estaria aqui. Minha mulher conseguiu me achar. Devo a vida à ela, que ia para os jornais e procurava jornalistas para tentar me achar. Emagreci muito neste tempo”, lembra.
Lúcia seria a heroína de Schatzmann porque depois de casado ele foi pego na Operação Barriga Verde e levado para Curitiba, onde passaria os piores dias de sua vida. Lá foi torturado por militares e ouvia dia e noite os gritos de amigos e mulheres torturadas.
“Eles davam choques, queimavam com a ponta de cigarros. Colocavam a comida bastante salgada para a gente sentir sede, mas não davam água. Tínhamos que tomar água da privada”, diz.
De acordo com ele, na ditadura não podia andar de camisa vermelha e nem com livros em baixo dos braços. Tudo era motivo para ser preso. “Eu tinha uma coleção de livros com capas de cor meio avermelhada. Pegaram a coleção como prova de que eu era comunista. Os livros eram histórias como a de Dom Quixote”, lembra.
Sem mágoas e traumas
Hoje, sem medo da ditadura e superado os traumas, seu Schatzmann é figura encontrada sempre pelos cinemas e teatros da cidade. Além disso, faz parte de duas companhias de teatro. “Eu consegui superar o trauma através da arte, que é uma atividade bonita”, diz.
Com 70 anos e morando no bairro Santo Antônio, seu Schatzmann é sempre convidado para testemunhar em eventos sobre os dias de Ditadura Militar.